Policial de Mato Grosso é tricampeão brasileiro de tiro

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Policial de Mato Grosso é tricampeão brasileiro de tiro

Carlos Molina participou do Munidal e é um dos melhores do país na modalidade IPSC (ou Tiro Prático)

CÍNTIA BORGES 
DA REDAÇÃO

O policial militar Carlos Molina, que mora em Cuiabá, é um dos melhores atiradores do Brasil na modalidade IPSC (International Practical Shooting Confederation, ou Tiro Prático), esporte criado nos Estados Unidos, na década de 1950.

Nele, o atirador precisa conciliar precisão e velocidade para completar as pistas com diversos alvos de diferentes tamanhos e grau de dificuldade.

Neste ano, Molina foi tricampeão brasileiro na categoria production (armas de 9mm), entre os atiradores policiais, e ficou em segundo lugar no ranking geral. Em Mato Grosso, neste ano, ele sagrou-se pentacampeão na categoria production.

Além disso, ele participou do campeonato Mundial, na França, onde teve a oportunidade de ver seus maiores ídolos, como Eric Grauffel, a quem só acompanhava pelo Youtube.

No Mundial, Molina ficou em 84º lugar, sendo que havia 500 atiradores em sua categoria.

Ao MidiaNews, o atirador falou sobre sua paixão pelo esporte, de seu início, em 2011, e dos desafios para a prática do tiro desportivo. Entre eles, o alto custo de armas e munição.

"É preciso investir dinheiro, sem dúvida. Mas a recompensa é grande. É um ambiente muito seguro, muito saudável. Sem contar que muitos o fazem como uma verdadeira terapia. A pessoa solta toda a adrenalina possível ali, sai calma, desliga do mundo", afirmou.

Confira os principais trechos da entrevista:

MidiaNews - Como foi o seu primeiro contato com o tiro? 

Carlos Molina - Sou subtenente na Polícia Militar e ano que vem faço 20 anos na corporação. Eu sabia que existia o tiro esportivo, mas nunca tinha me interessado. Aí, em junho de 2011, comprei uma arma nova e comecei a treinar. Só que, para treinar, a munição é cara. Então, decidi entrar para o tiro porque o atirador esportivo pode fazer recarga de munição, autorizado pelo Exército.

Com isso, os custos da munição abaixam e é possível treinar mais. Então procurei um amigo, o coronel PM César Metello, presidente da Federação de Tiro na época. Pedi a ele todas as orientações e fui com o intuito de treinar somente, conhecer o esporte. Muita coisa que sei hoje eu devo ao César e ao subtenente Célio Reis. Essas duas pessoas foram meus orientadores. O coronel César foi na minha casa, me ensinou a fazer recarga (de munição), regular a máquina. Os dois me deram todo o apoio.

Uma pessoa que entra no tiro, se não tiver alguém para apoiar, fica difícil. Aí o César me mostrou o IPSC (International Practical Shooting Confederation, ou Tiro Prático) e  falei: “É isso que eu quero”. Adrenalina a mil. Comecei no Clube de Tiro Falcão.

Em 2011 fui a uma etapa do campeonato estadual, em Sorriso, e assisti o pessoal fazendo IPSC. Fiquei louco querendo atirar. Em seguida, o César deu meu primeiro curso de tiro de IPSC. Seis meses depois, fui ganhar minha primeira medalha de IPSC no Estado, em uma etapa em São José do Rio Claro, em dezembro de 2011. Até hoje eu me lembro. Fiquei em terceiro lugar, foi muito emocionante.

MidiaNews - De lá para cá tem ideia de quantos campeonatos ganhou? Quantas medalhas?

Carlos Molina - Tenho medalha pra caramba, até perdi a conta. Mas, com certeza, mais de 200 medalhas e 50 troféus. Em 2012, eu já comecei a ficar entre os primeiros. E terminei 2012 em 2º lugar no Estado. Aí, de 2013 a 2017, fiquei em primeiro lugar cinco vezes consecutivas.

MidiaNews - E você começou a competir quando no campeonato brasileiro?

Carlos Molina - Em 2014. E já tentei me ranquear entre os melhores. Em 2014 eu ficava entre os 15 e 20 melhores. Em 2015, eu terminei em primeiro lugar na categoria policial, só que no overall fiquei em segundo. Em 2014, comecei a viajar em todas as etapas, não só nos brasileiros fora do Estado como nos estaduais. Ganhei muita experiência de pista, com pessoas melhores do que eu. Em 2015 consegui terminar em primeiro lugar na categoria policial, onde concorri com policiais de todo o Brasil. Em 2015, 2016 e 2017 fui campeão. Aí, no overall (ranking geral), em 2015 fiquei em segundo lugar, 2016 em terceiro e agora, em 2017, em segundo lugar no Brasil. Depois de 2015, estou sempre entre os três melhores.

MidiaNews – Sua primeira participação em Mundial foi na França?

Carlos Molina - Sim, neste ano. Foi uma experiência ímpar porque eu consegui ver pessoalmente vários campeões, que eu só via através do Youtube. Os melhores do Mundo estavam lá. Todos os meus ídolos, que eu acompanho nestes seis anos de tiro. Vi-os frente a frente, tietei. E vi que eles erram também. Foi muito bom.

MidiaNews - E como ficou a sua classificação no Mundial?

Carlos Molina - No Mundial eu fui com o intuito de ficar entre os 100. Porque o Brasil está bem atrás do pessoal lá de fora, na comparação com o preço da arma, quantidade de munição, qualidade de treinamento. Eles disparam 100 mil tiros por ano. Isso para você ficar entre os tops do mundo. Eu dou, por ano, 20 mil no máximo. No primeiro dia, não fui muito bem. Não sei o que foi, cometi alguns erros. No segundo dia, voltei ao meu tiro e consegui recuperar. Mas consegui terminar o Campeonato Mundial com a minha meta. Fiquei em 84º. Eram 1.600 atiradores e, só da minha categoria, havia 500, e os melhores do mundo. Gostei do resultado.

MidiaNews - Mas, pelo que você percebeu, dá pra melhorar ainda mais no Mundial?

Carlos Molina - Tem que treinar e investir muito. Infelizmente, o tiro não é igual a atletismo, que você coloca um tênis bom, recebe instruções e vai correr. No tiro, não tem jeito. Além da dedicação tem os custos que são altos.

MidiaNews - A maior dificuldade é o custo? Você falou que a munição lá fora é mais barata. Pode dar um valor de comparação?

Carlos Molina - Sim, a maior dificuldade é o custo. Lá no Mundial, uma munição 9mm original, jaquetada para competir custava R$ 0,80.  Aqui vai ficar, mais ou menos, uns R$ 4,00. Isso para nós que somos atiradores, que pagam mais barato. Se for no comércio mesmo, uma munição calibre 380 está R$ 10,00.

MidiaNews  - Lá fora, além dessa facilidade com o custo, o esporte é reconhecido, tem patrocinador e apoio. Como é essa relação aqui no Brasil? E no seu caso específico?

Carlos Molina - Lá fora, o Eric Grauffel, que é campeão mundial, começou a atirar com 19 anos. Foi para o Campeonato Mundial e nunca mais perdeu. Ele é patrocinado pela Tanfoglio (marca italiana), tem arma à vontade. Eu sempre corri atrás de patrocínio, tentando buscar alguma coisa. Eu tenho apoio da Tanfoglio Brasil, representada pelo Jaime Saldanha Júnior. Faço parte do Team Tanfoglio Brasil. Agora, para o ano que vem, estou tendo patrocínio da MQ Bullet, que é uma fábrica de projétil do meu amigo Ruan. Quando  comecei a atirar nos brasileiros, pedi patrocínio e ele acreditou em mim.

Hoje, consigo levar a marca dele nos tops do Brasil. Tinha da VTG do Alber, que me patrocinou com 20 mil espoletas para participar do mundial. Eu tive, durante 3 anos, patrocínio do Leandro Farias, com a Fênix Viagens e Turismo. Ele me dava passagens aéreas. Cada viagem para uma etapa do brasileiro custa R$ 2 mil, no mínimo.

A Federação de Tiro Mato Grosso também ajuda muito, tive apoio importante neste ano para ir ao mundial. A Confederação Brasileira de Tiro Esportivo deu os uniformes, pagou o valor das inscrições, de R$ 1.800. E o presidente da Federação de Mato Grosso, Fernando Raphael, abraçou a causa, pagando passagem aérea e hospedagem. Isso me possibilitou ir para a França, em agosto deste ano, e representar o Brasil. Agora, já fui convocado para a Jamaica, em julho do ano que vem. E o presidente da Federação já se comprometeu a ajudar a viabilizar nossa ida. Minha e de quem mais for convocado. É esse apoio que nos respalda e incentiva.

MidiaNews  - Como você se sente sendo um atleta de nível nacional e ainda ter que se preocupar com o básico para poder competir?

Carlos Molina - A gente fica chateado com isso. Ficamos correndo atrás de patrocínio, mas é muito difícil encontrar apoio. Admito que há um certo preconceito em relação ao esporte, certamente por falta de conhecimento. Há um preconceito contra a arma, uma visão distorcida. Mas o esporte é totalmente seguro, nunca vi um acidente. Nem tenho conhecimento de que algo grave tenha ocorrido nos últimos 20 ou 30 anos. Então é meio frustrante, porque se eu coloco uma marca de patrocinador na minha camiseta, vou levar esse nome pelo país e até no exterior.

MidiaNews  - E você tem apoio da Polícia Militar?

Carlos Molina - Com certeza, nesse tempo que tenho de tiro, sempre recebi apoio dos meus comandantes da Escola Superior de Formação e Aperfeiçoamento de Praças. Todos os meus comandantes que passaram por lá durante esse tempo me apoiaram.

MidiaNews - Você também é instrutor de tiro na PM?

Carlos Molina - Sim. Quando tem curso de formação de soldado sempre pego um pelotão para dar instrução.

MidiaNews - Voltando para a questão do patrocínio, no resto do País também há essa dificuldade?

Carlos Molina - Sim, mas há Estados em que os patrocinadores têm a cabeça mais aberta. Mas, de modo geral, no Brasil o patrocínio é difícil para tudo. Todos os esportes. Lá no mundial, uma coisa que eu achei bacana foi ver a equipe da Rússia. Os atiradores têm treinador, psicólogo, massagista, tudo. Recebem todo o apoio do Governo para treinar e competir.

MidiaNews - Você tem apoio do poder público?

Carlos Molina - Não tenho. Até pretendo, no ano que vem, procurar o comando geral da PM e pedir apoio na questão das passagens aéreas, pelo menos. Sempre a gente levanta a bandeira de Mato Grosso nos pódios das competições por todo o Brasil.

MidiaNews  - Você acha que, desde quando começou para cá, o esporte veio melhorando e se popularizando apesar das dificuldades? 

Carlos Molina - Desde quando eu comecei, a quantidade e a qualidade dos atiradores melhorou. O pessoal está procurando aprender mais tecnicamente o esporte. Muita gente não conhece e vê alguém atirando em IPSC e acha que velocidade é mais importante que a precisão. Mas não é. As pessoas, por si só, começam a treinar sozinhas e veem que não melhoram. Em seguida começam a procurar cursos, começam a se qualificar melhor. Aí começa a evoluir. De lá para cá, muita gente está procurando fazer cursos e só está melhorando em quantidade e qualidade de atiradores. Isso é muito importante.

É importante destacar que as redes sociais estão ajudando muito o tiro esportivo. É principalmente isso que está fazendo popularizar o esporte. O pessoal entram muito no meu perfil no Facebook (Molina Instrutor). Eu uso meu Facebook mais para divulgar o esporte. Aí as pessoas veem que aquilo ali é um esporte como outro. É totalmente seguro. A maioria dos homens gosta de armas. Quem se interessa, procura o clube de tiro, começa a ir lá procurar, a conhecer. Todo mês eu estou fazendo um curso básico, no Clube de Tiro Pantanal, para pessoas que não sabem manusear arma de fogo e querem aprender, querem conhecer mais o mundo do tiro.

Agora está crescendo. E quando cair o Estatuto do Desarmamento, acho que vai bombar mesmo. Esses cursos são de cinco horas. É um curso básico, onde a pessoa vai conhecer a arma de fogo, vai saber como é o funcionamento, tem aulas práticas, aulas teóricas. São 100 tiros. É um curso básico. A pessoa vai sair com uma noção boa, principalmente de regras de segurança, que é o mais importante. Porque uma arma de fogo sozinha não mata ninguém. O que mata é o mau manuseio.

MidiaNews - Você é a favor do fim do Estatuto do Desarmamento?

Carlos Molina - Sem dúvida. Eu sou a favor que o Estado volte a dar o porte de arma a pessoas qualificadas, que saibam manusear uma arma de fogo, que tenham reciclagem de três em três meses, sejam obrigados a frequentar um estande de tiro de três em três meses para praticar. Porque todo mundo aprende, mas se você não praticar vai esquecer. Então, que haja rotineiramente a prática com o manuseio de disparos para que essa pessoa ande armada. Estou torcendo para esse Estatuto do Desarmamento cair.

MidiaNews - Você também dá aulas de personal. Como funciona?

Carlos Molina - Eu tive essa ideia com o Jaime Saldanha Júnior, que é meu professor. Ele estava dando personal para uma pessoa, só uma vez por semana, e a evolução foi grande. Porque o IPSC é muito complexo, é muito detalhista. E se você fizer um curso de IPSC durante um final de semana, vai aprender tanta técnica que não vai conseguir absorver, não vai conseguir colocar em prática daqui um mês. É muita coisa para aprender. Então, há dois anos eu comecei a fazer esse treinamento uma vez por semana. Um dos atiradores para quem dou personal, o Marcelo Eubank,  em apenas um ano foi campeão de Mato Grosso e ficou em 7º lugar no Brasil. Em 2017, ele foi novamente campeão estadual e ficou em terceiro lugar no Brasil. Então, para quem quer melhorar, crescer no esporte e competir, fazendo personal o resultado aparece.

Estamos de portas abertas para ensinar o tiro prático, ensinar o mundo do tiro. O que as pessoas veem na internet é só uma pontinha do iceberg. Mas, quando entra no mundo do tiro, você vê que tem muitas modalidades, muita técnica e desafios.

MidiaNews - Você considera o esporte "elitizado"?

Carlos Molina - É preciso investir dinheiro, sem dúvida. Eu nunca fiz as contas do quanto eu já gastei. Mas a recompensa é grande. É um ambiente muito seguro, muito saudável, ideal para se fazer novas amizades. Sem contar que muitos o fazem como uma verdadeira terapia. A pessoa solta toda a adrenalina possível ali, sai calma, desliga do mundo. É muito gostoso.

MidiaNews – Onde você dá esse treinamento?

Carlos Molina - No Clube de Tiro do Pantanal. Nós temos parceria lá. Eu sou instrutor credenciado pela Polícia Federal. Qualquer pessoa que vai comprar uma arma de fogo precisa passar por um psicólogo credenciado e pelo instrutor credenciado para dar o laudo. Eu também faço esse teste. Sou instrutor de tiro formado pela Academia CS3 de São Paulo. E estamos no mercado já há quatro anos. Então, quem se interessar pode entrar em contato e conhecer o clube.

MidiaNews – Você estava falando do seu professor Jaime Saldanha Jr. Ele vive do tiro, atua como empresário?

Carlos Molina - Sim. Ele é patrocinado pela Tanfoglio. Ele começou no tiro aos 16 anos, no IPSC, e já está há 22 anos no tiro. Ele abriu a Tanfoglio no Brasil e faz a venda das armas, sendo que a marca é considerada a melhor para a prática de IPSC. Além dos cursos que ele ministra no Brasil inteiro. Todo final de semana ele está viajando. Quando não tem campeonato, está viajando para dar curso. O Jaime vive do tiro. Como atleta, ele ganha tudo no Brasil. É campeão há 22 anos. E ele foi muito bem no mundial. Ficou em 4º lugar. Foi sua melhor colocação até hoje. Com certeza, o Jaiminho é um dos maiores representantes do tiro prático no Brasil e responsável direto pelo crescimento do esporte.

MidiaNews – Quais suas expectativas para o tiro esportivo em 2018?

Carlos Molina - As melhores possíveis. Não só para o IPSC, que é uma das modalidades do tiro esportivo, mas para o segmento de modo geral. O tiro vem crescendo em Mato Grosso e, cada vez mais, ganhando novos adeptos. Espero que o reconhecimento seja maior em 2018, e que as condições para representarmos nosso Estado por todo o Brasil também melhorem.

Fonte: http://www.midianews.com.br/cotidiano/policial-de-mato-grosso-e-tricampeao-brasileiro-de-tiro/314474